Reflita, critique! Num mundo multicultural, memorizar não basta.
por Nélio Georgini,
Ao se aprender uma língua, acredita-se num processo natural. Conforme o ser humano vai interagindo ou até mesmo indo para escola, o aprendizado acontece. Falar seria apenas pronunciar/memorizar. As palavras e frases significariam apenas aquilo que escutamos. Será que é assim mesmo?
Vejamos uma situação que me foi contada: “Um amigo brasileiro radicado nos EUA fluente em língua inglesa resolveu fazer um churrasco para receber os amigos da empresa. Acostumado com os hábitos brasileiros não teve tanta pressa em arrumar a casa, já que no Brasil todos chegam atrasados. Além disso, deixou sua esposa confortável para receber as pessoas com enorme sorriso, beijos e abraços. Após todo esse trabalho, os estrangeiros reclamaram…”
Ao escutar este relato, percebi que houve um processo de referenciação por parte do brasileiro que recebeu os americanos. Ao fazer seu churrasco, levou em consideração a referência que ele tinha sobre “fazer churrasco” e não teve a “sensibilidade” de compreender as diferenças culturais entre o “fazer churrasco” americano e brasileiro. Percebo, pelo que me foi contado, que os
convidados acharam toda aquela festividade estranha, já que chegaram e lá encontraram um clima de informalidade brasileiro. Na verdade, aqueles convidados não estavam esperando chegar num espaço que ainda não estivesse arrumado e com alguém que os recebesse aos beijos e abraços.
Observa-se nesta situação que não houve uma negociação de significados. Nem os americanos compreenderam aquela forma de fazer churrasco, nem os brasileiros puderam imaginar o problema que teriam ao conduzir churrasco à brasileira. Podemos perceber que um simples churrasco causou um problema de comunicação. Os brasileiros “simplesmente” falaram que fariam
um churrasco em sua casa e pediram para os americanos “passarem lá” e assim uma confusão cultural aconteceu.
Esta situação poderia ter ocorrido de forma diferente? Poderia, se os anfitriões tivessem clareza que língua é ação. Tudo aquilo que se fala causa algum tipo de reação nos interlocutores. Não basta memorizar milhões de estruturas e simplesmente falar. Precisamos entender que o processo de comunicação é uma arena cujas falas devem ser utilizadas estrategicamente. Para tal precisa-se refletir, não memorizar. O processo de memorização não contempla a crítica exigida no mundo contemporâneo.
Vejamos alguns aspectos que deveriam ter sido estudados pelos anfitriões do churrasco: 1) Como se comportam os convidados no que concerne a festividades?; 2) O tratamento para os seus amigos é igual para os colegas de trabalho? 3) Como eles entendem churrasco?; 4) Há contato físico (beijos, abraços) entre essas pessoas?; 4) Como eles se comportam em relação ao horário?.
Após responder essas perguntas, com certeza, o casal anfitrião teria um resultado interativo melhor no seu churrasco.
Por último, cabe dizer que não há mais como insistir em ensinar uma língua focando gramática e “situações memorizáveis” como uma única etapa. Urge entendermos que há outras etapas importantes no processo pedagógico como a reflexão e a produção crítica. Para tanto, temos que levar para nossas aulas também o debate multicultural. Precisamos ensinar aos nossos alunos
que nem tudo que eles acham que é certo ou usual serve para todos. Nem todo mundo acha que o melhor termina em carnaval, futebol e churrasco.