Abuso sexual infantil, uma “moléstia social”
O saber científico adquirido admite articular que a boa educação se faz com amor, conhecimento, diálogo e limites. As crianças, como seres em desenvolvimento, carecem serem norteadas para se tornarem adultos saudáveis. Porém, os seus anseios e reconhecimentos como sujeitos devem sempre ser considerados, constituindo essas as condições de edificação da sua autoestima, felicidade e responsabilidade.
O abuso sexual infantil, hoje uma “moléstia social”, é uma vivência assustadora, a qual a criança responde com desamparo, horror e medo. As consequências, se não tratadas, na maioria dos casos encobertam marcas e reflexos pessoais no desenvolvimento da criança, que poderão se intensificar em uma fase mais madura.
Vale ressaltar que os casos de indícios ou mesmo de abuso sexual infanto-juvenil não ocorrem apenas em classes menos favorecidas, ao contrário, toda a sociedade está sujeita a esta violência. No Brasil, estas estatísticas não são diferentes, a violência contra crianças e adolescentes atinge todas as camadas sociais em sua diversidade cultural.
Na Constituição Federal Brasileira de 1988, mais precisamente em seu artigo 227, estabelece que toda família, sociedade e o próprio Estado tem por obrigação garantir à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, bem como, deixá-los a salvo de qualquer forma de negligência, crueldade, discriminação, exploração, opressão e violência.
O Estado, através de seus poderes, tem por obrigação dar a cada criança vítima de qualquer tipo de violência (sexual ou psicológica) voz ativa para expressar suas angústias, assim como protegê-las. No Brasil, o abuso sexual de crianças e adolescentes é uma das formas de violência mais preocupantes. Em tese, o abuso sexual na infância pode ser descrito como a utilização de crianças por adultos, familiares ou não, para a satisfação sexual e que pode tomar a forma de exposição (exibicionismo; voyeurismo ou a visão de atos sexuais ou pornografia, molestação (toque de genitálias) ou relações sexuais (oral, vaginal ou anal; com ou sem uso de força). A detecção da ocorrência poderá ser feita por relato de suas vítimas ou agressores ou por algum tipo de evidência clínica (GONÇALVES e FERREIRA).
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) representa uma conquista social indiscutível, embora, após anos de sua implantação, ainda passe por resistências quanto a sua natureza e aplicabilidade. Considerar o Estatuto pressupõe assegurar, redimensionar e valorizar à criança o direito à vida digna de um cidadão em formação.
O abuso sexual é uma forma de violência caracterizada como o envolvimento de crianças e adolescentes subordinados e evolutivamente imaturos em atividades sexuais, as quais eles não compreendem e que não são capazes de corroborar e que infringem os tabus sexuais dos papéis familiares. Basicamente, cria-se uma relação de poder ou controle entre o agressor e a vítima que, não necessariamente, é uma pessoa adulta (ARAÚJO).
Comumente, as situações de abuso sexual extrafamiliares são de episódio único, assinaladas por estupro ou pornografia infantil, envolvendo um indivíduo incógnito. O abusador normalmente tem acesso à criança em ocasiões de visita à família da mesma ou quando goza de confiança por parte dos pais. Contudo, pode ocorrer ainda que o responsável pelo abuso não seja conhecido pela criança e os atos sejam realizados fora do ambiente da família.
O abuso sexual intrafamiliar mostra uma dinâmica peculiar, pois inicia-se sutilmente, e à medida que o abusador adquire a confiança da vítima, os contatos sexualizados ficam cada vez mais íntimos, variando desde um afago até a relação sexual anal, genital ou oral. O fato de o abuso sexual acontecer sem o uso de força ou violência física está relacionado à questão da lealdade e da confiança. O abusador, sendo alguém próximo à vítima, e alguém em quem a criança confie, faz uso desta relação para obter sigilo.
Se o abuso sucede no âmbito familiar, este aponta a ausência de uma estruturação da família que possa servir como referência para o desenvolvimento psicológico e social de seus elementos. O abuso sexual de crianças e adolescentes, o incesto e o assédio sexual delatam uma vicissitude de domínio onde a sexualidade é aproveitada de forma destrutiva, estabelecendo-se numa desmoralização ao ser humano.
Nestes três casos, a violência física pode não ocorrer, contudo são relações que sugerem outros tipos de violência, assim como a psicológica e a social. Em havendo revelação por parte da vítima é de suma importância que a família a acolha, não exprima pré-julgamentos, dê crédito e procure auxílio profissional qualificado (Conselho Tutelar, Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima – DCAV) para apurar a veracidade dos fatos, ainda que o relato lhe pareça fantasioso. Em hipótese alguma, a família deve se calar, por mais doloroso que possa ser. Algumas consequências negativas são exacerbadas em crianças que não dispõem de uma rede de apoio social. Telefones para denúncia: 2334 -8481 e o Disque 100.
Soraia Vaz de Santana
Delegada e Coordenadora Municipal do Movimento Setorial de Segurança Humana e Desenvolvimento Social.